Entrevista com o poeta evangélico português João Tomaz Parreira
Presença constante no blog , realizamos com ele a entrevista que se segue, abarcando temas como religião, internet, literatura e lusofonia.
Fale-nos sobre o seu ‘início’ e caminhada no Evangelho. Como se deu sua conversão?
Sou um vulgar menino oriundo da Escola Dominical. Desde 1953 que comecei a amar Jesus Cristo na histórica Igreja Assembléia de Deus da Neves Ferreira, em Lisboa. A conversão/novo nascimento vem essencial e teologicamente de crermos que Jesus é o Cristo. E eu aos 7 anos cri. A conversão mais visível, para efeitos eclesiais, veio aos 16 anos quando aceitei «formalmente» Cristo numa Campanha evangelística de Samuel Doctorian, que me tocou profundamente, em Lisboa também no ano de 1963. Depois, muitos anos depois, em 1985, já a residir na cidade de Aveiro, pude estar com o rev. Doctorian na minha Igreja, conversamos e ofereci-lhe o meu primeiro livro de poemas, «Este Rosto do Exílo» (1973).
E o interesse pela literatura, vem de quando?
Talvez de 1957, quando li todos os Salmos. Quem sabe! Porém em 1963, ao ler um livro daquele pregador arménio, interessei-me pelas notícias do mundo, pelo jornalismo internacional, procurava ler a revista Newsweek que ia buscar todas as semanas à Embaixada dos EUA, em Lisboa. Comecei por esboçar pequenos artigos e a refazer os que lia em jornais diários e na Newsweek. Sonhava já ser jornalista, ou pelo menos, escrever para revistas e jornais, o que veio de facto a suceder. No Liceu em Aveiro com alguns amigos que gostavam de Letras/Poesia, comecei a ler Guerra Junqueiro, Gomes Leal e depois, em 1964, Fernando Pessoa. Com aquela que haveria de ser minha mulher, trocavamos sonetos, ao estilo da Florbela Espanca, ela, e eu de Bocage. Desde 1964 até agora, 2009, escrevi e publiquei, pela Graça de Deus, centenas ou milhares de textos em revistas evangélicas e jornais seculares, bem como 5 livros de poesia e um ensaio teológico sobre o Prólogo do Evangelho de João.
Quais são suas influências literárias, tanto no âmbito da literatura secular quanto da cristã?
Inúmeras. Desde autores nacionais/poetas e romancistas, até aos internacionais. Curiosamente depois da poesia de Pessoa e do Mário-Sá Carneiro, modernistas que li até ao osso, depois dos românticos e simbolistas, interessei-me pelo romance de tese, li tudo o que havia para ler de Vergilio Ferreira, Albert Camus e até Sartre. Isto levou-me sublimado pelo Evangelho a um certo Humanismo Cristão, que mais tarde, nos anos 66 até 70 procurei entender em Kierkegaard. Na Guerra Colonial, em Angola, entre 68-70, escrevi e li muito: de Heidegger a Dostoiévski. Houve neste tempo um poeta português que modelou meu lirismo, Eugénio de Andrade.
Na poesia evangélica li Mário Barreto França e Jônatas Braga, também Gióia Junior, mas contactei, em 1967, com o poeta brasileiro Joanyr de Oliveira. Hoje este poeta e eu próprio somos entranháveis amigos, renovamos até o discurso poético dito evangélico, criando em 1974 o Movimento pela Nova Poesia Evangélica, com e tudo, assinado por nós e pelo poeta, mais jovem, Brissos Lino.
Não poderei esquecer aqui um enorme poeta mundial: Ezra Pound, que só descobri em 1972. Li-o com sofreguidão e continuo, claro que me deixei influenciar por ele e por todos que já referi. Também devo imenso à maioria dos poetas espanhóis da Geração de 27 e, coisa díspar, também devo a alguns poetas modernos norte-americanos da Beat Generation. Do Brasil, li e mergulhei em Drummond e Bandeira, Osvaldo e Mário de Andrade, claro que li e leio sempre muitos outros, de Cassiano Ricardo a Vinicius, não esqueço mais Cecilia Meireles.
Finalmente, o Poeta que por isso escreve poemas deve ler, ler, ler, muita e diversa poesia. Para me adestrar no jornalismo, periodismo evangélico, curiosamente, li quase todo o Hemingway.
Que nomes o senhor destacaria no cenário literário contemporâneo, nas vertentes secular e cristã?
Na vertente cristã, leio apenas os comentaristas bíblicos antigos, dos chamados Fundamentais, R.A.Torrey, etc., e os do Grupo do comentário bíblico Moody. Gosto sobretudo de leituras de teólogos Bernard Raam, Karl Barth, Bonhoffer e outros, não rejeito ler até Bultmamm, embora não concorde com a sua desconstrução do sobrenatural da Bíblia Sagrada. Também privilegio leituras sobre a História da Igreja.
Não me interesso muito pelos autores cristãos contemporâneos, porque alguns que estão na moda, escrevem do género da auto-ajuda. Talvez destaque aqui um autor: Jaime Kemp e, já agora, a esposa, Judith Kemp, porque tratam muito bem a psicologia/psicanálise cristã sem excessos.
Na literatura dita secular contemporânea, isto é, de hoje, leio mais poesia que prosa. No entanto, nesta, gosto de ler Imre Kértesz, E.L.Doctorow, Saul Bellow, o recentemente falecido, John Updike. Contrariamente ao que penso na área do livro evangélico, são quase todos romancistas norte-americanos.
O senhor matém dois blogs na rede, o , onde veicula sua produção evangélica, e o , de cunho mais secular, além de colaborar em outros blogs. Como se deu seu contato com os blogs?
Comecei por publicar poesia em foruns portugueses e brasileiros e isso levou-me aos blogues, por influência de outros que comecei a conhecer e a ler.
Como o senhor avalia o uso desta ferramenta?
Posso avaliá-la pela práxis, usando-a diariamente. É um extraordinário meio divulgador do nosso trabalho e sobretudo dos nossos pensamentos, e quando veiculamos por eles a mensagem cristã e evangélica, no nosso caso, estamos a partilhá-la com Arte. Arte tecnológica e Estética.
Fale-nos um pouco sobre Portugal. Em sua visão, quais os aspectos positivos e negativos do protestantismo em Portugal? Ainda há muita perseguição?
Na era das Novas Tecnologias, da Sociedade de Informação, da globalização, conhece-se já tudo, ou quase tudo, sobre todos. Portugal é hoje um país sem telhados de vidro, depois da Revolução do 25 de Abril. Há Liberdade Religiosa, embora o maior quinhão ainda vá para o lado do Catolicismo Romano. Os aspectos negativos do protestantismo em Portugal, já não se medem entre Igrejas Reformadas Históricas e os Pentecostais das Assembleias de Deus, de divergências acentuadas dos anos 30 até aos 50. Nem sequer de 60 para cá, com campos colocados no Fundamentalismo e no Movimento Ecuménico.
O perigo que enfrentamos hoje, está no chamado neo-pentecostalismo, que usa o nome de «Igreja» como se esta fosse um off-shore para tudo.
À maneira de Rainer Maria Rilke, que conselhos o senhor daria aos jovens (ou não) poetas evangélicos?
Há uma década li um ensaio sobre a Poesia de Paul Valery e vou recuperar uma frase-chave do mesmo: «Há poetas, que por sê-lo, fazem versos; e outros que por saberem fazer versos, são poetas». Que vejam em qual destas categorias se inserem.
Para responder concretamente à sua pergunta, à maneira do autor de Elegias a Duíno, direi como ele nas Cartas a um Poeta, que entrem em si próprios e procurem a necessidade que os faz escrever. Se houver essa necessidade e o sofrimento da mesma, então continuem. Se puderem parar, é porque não há necessidade. Façam outra coisa. Criar implica sofrer.
O que o senhor tem a dizer sobre os vários e diversificados movimentos de integração entre os países da comunidade lusófona (um dos quais, talvez o principal, culmina agora no Novo Acordo Ortográfico)?
Aceito movimentos tendentes a integrar sem aculturar, isto é, movimentos colaborativos sem perda de identidade de cada um. Sou incondicional das transculuras. Sou contra o Novo Acordo Ortográfico porque sou a favor da manutenção de raízes identitárias como falantes e na língua escrita que são enriquecedoras, mantendo as óbvias diferenças. Por vezes as divergências são enriquecedoras.
Embora seja o maior país de fala portuguesa no mundo, é perceptível que no Brasil se dá muito menos importância a este tema da lusofonia do que em Portugal. O senhor acha que, neste ponto, como versa a letra de nosso Hino Nacional, o Brasil ainda está “deitado em berço esplêndido”?
O brasileiro olha demasiadamente para a América de cima. E o vosso centro geo-cultural não está em termos «genéticos» nos States. É geograficamente compreensível, no entanto. Mas, neste momento, a verdade é que o trafêgo cultural e a importância de toda a temática inerente à lusofonia se fazem num só sentido, i.é., estamos por cá em Portugal mais abertos para o objecto cultural brasileiro do que o contrário. O que deveria acontecer, era a reciprocidade tout court, mas, desculpem-me, não há. Por isso talvez se aplique aqui a referência «nacionalista» do verso do Hino Nacional citado por Você.
A União de Blogueiros Evangélicos tem, desde seu início, buscado a interação com os irmãos blogueiros de Portugal. Agora, num segundo momento, temos buscado também ligações com blogueiros evangélicos de fala espanhola. Como o senhor avalia essa colaboração entre blogueiros, e num plano maior, entre as próprias igrejas destes países?
E tem feito muito bem. Hoje, a nível sociológico, procura-se por todos os meios fazer com que a Família se conheça. Percebeu-se que, dada a crise dos valores e do secularismo, a Família é a base estruturante da sociedade.
Parece-me bem, desde que tal colaboração, neste eixo latino (Brasil-Portugal-Espanha-etc), com nossas falas diversas, fonetica e linguisticamente, intercambiemos Cultura, e Cultura Cristã, repare que digo intercambiar e não exportar.