Novos tempos exigem novas estratégias. Esse é um dos princípios basilares do mercado empresarial, que pontua a versatilidade e a pró-atividade como fatores preponderantes para adaptação e progressão das empresas em decorrência das transformações ocorridas na sociedade moderna.
No mercado editorial não é diferente. Progredir e acompanhar tendências não é uma questão de opção, mas de sobrevivência; principalmente se levarmos em conta a revolução digital pela qual o mundo passa, cujas inovações são cada vez mais céleres e inesperadas.
Ocorre que, no âmbito evangélico, as editoras ainda não conseguiram acompanhar as passadas largas do século XXI. Pelo menos no Brasil evidencia-se uma visão ultrapassada do mercado de livros, notadamente no que diz respeito à captação de novos autores. A grande maioria delas insiste na velha estratégia passiva de outrora, consistente em simplesmente aguardar as propostas de livros dos interessados, de modo que o roteiro para publicação de obras de autores desconhecidos é básico em todas elas: envie o manuscrito para a instituição (nada de CD ou disquete), com sua qualificação completa, acompanhado de uma carta de apresentação do seu pastor ou líder espiritual. Após, é só aguardar uma resposta, que, caso tudo corra bem, somente virá depois de uns…digamos… seis meses…isso se você tiver muita sorte (ou ajuda divina). Do contrário, seu projeto envelhecerá numa pia de manuscritos num canto qualquer da editora.
Em suma, essa é a sistemática padrão para o descobrimento de “novos talentos da literatura evangélica”. Quem quiser que se vire e procure a editora. É claro que existem excessões. Em algumas instituições a análise dos manuscritos é rápida e eficiente; n´outras, são realizados concursos com o fim de revelar novos autores. Tenho pra mim que a iniciativa é boa, porém, insuficiente. O mesmo trabalho e motivação que o escritor precisa ter para encaminhar sua obra para análise pela editora é o mesmo para se inscrever no concurso.
O problema da falta de novos escritores evangélicos
Em razão dessa mentalidade arcaica e da falta de estratégias atuais para a revelação de escritores é que o surgimento de nomes na literatura evangélica brasileira segue em marcha lenta; quase retrocedendo. E o problema é mais grave do que se imagina. O resultado é uma acentuada debilidade da cultura teológica nacional, que segue com pouca – ou quase nenhuma relevância e expressão para o pensamento cristão. Isso porque, o fortalecimento das bases teológicas de uma determinada língua é proporcional à qualidade das obras por ela publicada. A quantidade, em si, não é o fator preponderante; mas, no mínimo, corrobora para o estabelecimento de uma prática produtiva e que fomenta a reflexão dos temas bíblicos em suas diversas matizes. Os Estados Unidos são prova disso. Está arraigado na vivência americana a necessidade de produção de obras literárias, tanto é assim que basta visitarmos qualquer livraria para constatarmos a quantidade de obras produzidas pelos americanos e aquelas produzidas por escritores de outras nacionalidades.
E a debilidade da teologia tupiniquim é algo patente. Para ser bem mais exato, nós, brasileiros, não possuimos teologia própria, devidamente estabelecida. O que existem, isso sim, são práticas religiosas made in Brasil. No que se refere ao pensamento teológico, infelizmente ainda estamos na fase da importação, onde o escritor brasileiro basicamente compila o pensamento de autores estrangeiros. Há excessões, evidente!
Observe o seguinte. Teologia própria não é sinônimo de ineditismo teológico que, não poucas vezes, contribui para o surgimento de teorias extravangantes sem qualquer respaldo bíblico, com a única intenção de criar algo novo e, com isso, despertar a atenção do públito leitor, como é o caso das ditas teologias pós-modernas como bem explicitado por em sua obra A sedução das novas teologias (CPAD).
O escritor evangélico, anota , não é um intermediário de “novas verdades”, “novas revelações” ou especialista em especulação teológica. Infelizmente, diz ele, “o que tem causado mais estrago em nosso meio são essas aberrações apresentadas como se fossem as mais novas descobertas no campo da espiritualidade e da teologia. Quantas heresias, quantos modismos, quanto sensacionalismo têm feito mal à vinha do Senhor por causa de escritores inescrupulosos e meramente comerciais! O que importa, para eles, é quanto entrou no caixa!”[1].
Teologia própria, devo anotar, portanto, é a disposição continua de pesquisa e investigação da temática teológica em suas múltiplas divisões, acompanhado da produção e publicação do conhecimento, que, com o tempo vai se fortalecendo e ganhando expressividade de acordo com os autores de língua nacional. E é exatamente essa produção de conhecimento que promoverá efeitos reflexos para o público leitor, através da leitura crítica. Nesse ponto, então, se concentra o papel basilar das editores para a produção de conhecimento; saindo da posição mercantilista, com os olhos voltados nos lucros, para a posição de agente incentivador da tomada de consciência por parte dos evangélicos, através da publicação de obras que possuam conteúdo e que contribuam para a formação de uma cosmovisão essencialmente cristã fundamentada na Bíblia.
De outra banda, enquanto as editoras evangélicas mantiverem a mesma sistemática de publicação de livros, de simples receptora de manuscritos, a cultura de produção de conhecimento teológico continuará no mesmo patamar, ou, no máximo, crescerá com índices mínimos. Afinal, na forma como está, tornar-se escritor evangélico no Brasil é quase questão de milagre ou, ainda, é preciso muita força de vontade por parte do interessado para ter a sua obra publicada, caso em que merecem aplausos aqueles que conseguiram tal façanha.
A hora da prospecção de novos autores
Acredito, portanto, que o contexto atual impõe às editoras evangélicas estratégia diferenciada. É preciso sair da posição de passividade para a proatividade. Isto é, ao invés de aguardar o escritor, é necessário que a editora vá atrás deles. Isso, por questões bem simples:
Primeiro, existe uma quantidade significativa de escritores evangélicos de talento escondidos por essa Brasil afora, entretanto, por medo de receberem um “não” das editoras acabam não apresentando suas obras para apreciação.
Segundo, apesar da habilidade na escrita, falta a essas pessoas o conhecimento necessário para a sistematização de um livro; caso em que, algumas dicas e conselhos de profissionais do ramo resolveria o problema.
Terceiro, um dos grande inimigos dos novos escritores é o desânimo no meio do processo. A incerteza sobre a aceitação do trabalho ou a falta de convicção sobre a necessidade do conteúdo são fatores que levam o autor a abandonar o projeto.
Assim, o simples fato de o autor ser contactado pela editora, e dela receba instruções, dicas e apoio para a condução da obra, resolveria grande parte dos problemas dos novos escritores. Afinal, uma vez ciente do apoio da editora teria ele muito mais motivação e subsídios para concluir o livro.
Prospectar profissionais, ou seja, contactá-los antecipadamente, não é algo novo. Grandes empresas visionárias já fazem isso há um bom tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, elas captam os melhores alunos de universidades como Harvard e Yale já no meio do curso.
A prospecção de autores, de igual modo, também já é comum no ambiente da blogosfera. Denise Schittine [2] conta o caso do blogueiro iraniano que foi contratado pelo jornal britãnico The Guardian, com o pseudônimo Salam Pax, para escrever sobre o dia a dia em Bagdá, cujas postagem foram reunidas em livro, publicado no Brasil em 2003, sob o título “O blog de Bagdá” pela companhia das Letras. Como observou Schittine, “agora não é mais o blogueiro que procura o meio de comunicação – o próprio jornal começa a ver a internet como fonte de informação”.
O blogueiro de Bagbá não é o único caso. Vários jornais, revistas e empresas de tecnologia adotam esse mesmo expediente, contratando profissionais cuja capacidade ficou notória através de suas respectivas páginas na internet. Hugh Hewitth, inclusive, no livro “Blog: entenda a revolução que vai mudar o seu mundo” aconselha as empresas a agirem da seguinte forma: “Descubra cinco blogueiros de que goste, de preferência com tráfego mediano – não alto, a não ser que você tenha um grande orçamento, e não tão baixo a ponto de não superar um obstáculo por dia. Envie aos cinco – ou aos 25 caso você seja a Coca Cola ou a GM – um e-mail oferecendo um emprego de blogueiro. Peça a eles que façam o preços. Escolha três. Peça-lhes que pensem em suas necessidades, que são…”.[3]
Isso é prospectar!
Blogosfera: vitrine de novos escritores
A blogosfera é, por excelência, a vitrine dos novos escritores. Como escreveu Hugh Hewitt: “os talentos estão em exposição todos os dias”. O blog é o portfólio público da visão e da habilidade do escrivinhador. Nela, é possível verificar a capacidade, o conhecimento e o estilo do autor.
Na blogosfera cristã encontramos uma quantidade considerável de excelentes autores que escrevem com propriedade sobre os mais variados temas cristãos. Temos blogs que abortam temas a vida cristã, educação cristã, teologia, defesa da fé, adoração, geografia bíblica, etc. Ou seja, os talentos estão aí, alguns, inclusive, muito mais habilidosos do que escritores com livros publicados. Para ser mais exato, nunca foi tão fácil encontrar bons escritores. Basta pesquisar um pouco que se encontra bons trabalhos. Isso pode ser feito na , que conta atualmente com quase 4 mil blogs associados.
É claro. Não sou inocente. Existe também o joio. Blogs de péssima qualidade na internet. Assim como existem verdadeiros lixos publicados pelas editoras evangélicas, que se prestam somente a tomar espaço nas livrarias e bibliotecas.
Editora Evangélica: “Adote um talento da blogosfera cristã”
Portanto, fica aqui o meu alerta aos profissionais responsáveis pelos setores de publicação de livros das editoras evangélicas, no sentido de abrirem um pouco mais a visão e partirem para a captação de bons escritores dentro do ambiente da blogosfera.
Faço isso porque acredito que esse espaço é visitado por muitos desses profissionais, os quais estão atentos aos acontecimentos da internet e com as mudanças dos tempos atuais. Mas, além de observar as transformações, é chegada a hora de colocar essas idéias em prática, visando não somente a publicação de mais uma ou outra obra, mas principalmente ao descobrimento, a formação e a lapidação de novos talentos para a literatura evangélica brasileira.
Então, fica aqui a mensagem às editoras evangélicas do Brasil: “Adote um talento da blogosfera cristã!”
Valmir Nascimento Milomem é graduado e pós-graduado em Direito. Educador, blogueiro cristão e um dos idealizadores da – associação que atualmente congrega mais de 3 mil blogs de cultura cristã.
Blog:
www.comoviveremos.com
Notas:
[1] COUTO, Geremias do. A Bíblia ou os livros? (Parte II). Disponível em: http://geremiasdocouto.blogspot.com/2007/05/bblia-ou-os-livros-parte-ii.html
[2] SCHITTINE, Denise. Blog: Comunicação e escrita íntima na internet. Editoria Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007, p. 160.
[3] HEWITT, Hugh. Blog: Entenda a revolução que vai mudar o seu mundo. Thomas Nelson Brasil, Rio de Janeiro, 2007, p. 172.
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